Prof. Gláucio Moro
ghmoro@gmail.com
Em 1917, quase no fim da Primeira Grande Guerra Mundial, na Rússia, o povo era comandado pelo governo autocrático do Czar Nicolau II. Episódios desastrosos de seu governo levaram a Rússia de uma potência mundial para uma ruína econômica e militar. Eventos como a Tragédia de Khodynka , a guerra Russo-Japonesa , o Domingo sangrento , e os movimentos estratégicos que levaram a Rússia à Primeira Guerra Mundial criaram uma onda de amargor e revolta na população, que desejava algo diferente do sistema czarista para o país.
Todos estes fatores levaram as pessoas às ruas, com manifestações populares e políticas, principalmente por parte dos integrantes do Partido Operário Russo , liderado por Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lênin. Essa bancada, também chamada de Bolchevique, que em russo significa “maioritário”, defendia uma mudança radical na política do país, disposta até a uma guerra civil. A pressão fortíssima e a fragilidade do governo levou o Czar a se exilar e, mais tarde renunciar, dando aos Bolcheviques o poder e caracterizando a Revolução Russa de 1917, o fim do regime czarista .
Com os Bolcheviques no poder, uma das primeiras decisões tomadas pelo novo governo foi de consolidar e comunicar a população de seus novos ideais. Como a maioria da população era composta de iletrados, a decisão foi tornar o ainda jovem cinema em meio de comunicação de massa disseminando ideias para o proletariado. Só que muitos dos produtores de filmes, cineastas e atores fugiram após a revolução, pois não eram a favor da política bolchevique, e assim não havia profissionais para cooperar com o plano de propaganda fílmica de Lênin.
A VGIK, ou Instituto de Cinematografia Gerasimov, foi fundado em 1919, em Moscou. Uma das funções primárias da escola era capacitar profissionais para dar suporte ao governo Bolchevique com a criação de filmes de cunho político que disseminariam as ideias e os princípios comunistas entre trabalhadores, camponeses e intelectuais, criando formadores de opinião e manifestações positivas dentro da sociedade. Este movimento foi chamado de AgitProp.
AgitProp é um acrônimo das palavras “agitação” e “propaganda”. Com a ideia de utilizar a arte como meio de publicidade, o novo governo tinha a intenção de consolidar mais e mais seus ideais, unir a sociedade, diminuir a resistência ao governo e criar uma imagem de credibilidade. Assim, muitos cineastas, interessados em estudar como o vídeo poderia comunicar de maneira mais eficaz, dedicaram-se a estudar a fundo as formas de expressão e linguagem do cinema. Alguns deles foram até criticados pelo partido comunista, pois se interessavam mais pelo estudo e experimentalismo do que pela ideologia política. Dentre eles estava um dos primeiros cineastas e teóricos do cinema, Lev Kuleshov.
Lev Kuleshov foi um dos primeiros funcionários do Instituto de Cinematografia Gerasimov, e um dos poucos realizadores de filmes que permaneceram na Rússia após 1917. Foi chamado por Vladimir Gardin, fundador do instituto, para coordenar a seção de montagem de antigos filmes.
Com o tempo, foi trocando de funções até montar uma espécie de grupo de estudos, um coletivo dedicados à teoria do cinema, no qual estavam futuros cineastas como Vsevolod Pudovkin. Lá começaram a estudar e criar diversos experimentos. Em um de seus primeiros insights, analisaram exaustivamente a obra do americano D.W. Griffith “Intolerance” (Intolerância), filme que se passa em diversas épocas históricas e tem como um dos temas centrais as injustiças com o proletariado.
O filme foi exibido em Moscou em maio de 1919. Lênin, que gostou muito, ordenou que fosse exibido em toda a União Soviética, transformando-o num dos filmes mais influentes em todo o país naquela época. Kuleshov e seu grupo dissecaram totalmente sua estrutura, reavaliando todas as tomadas e remontando-as de diferentes maneiras a fim de examinar os múltiplos impactos que a edição do filme poderia criar. Com o resultado da experiência aprendida com o filme de Griffith, eles realizaram outros experimentos. Dentre eles, está o sua mais famosa teoria, batizado de Efeito Kuleshov.
Kuleshov filmou uma face humana com uma expressão e criou três pequenas diferentes sequências: uma tomada de uma tigela de sopa, outra de uma garota em um caixão e por fim uma sedutora mulher sentada em um sofá. Assim ele somou as duas tomadas de cena sequencialmente, formando três pequenos filmes distintos: o primeiro começava com a face e alternava para a tigela de sopa; o segundo, a face que alternava para a garota em um caixão e, finalmente, o terceiro, que era a face que alternava para a mulher sentada. Exibindo as sequências para uma audiência, todos ficaram eufóricos com a emoção passada pelo ator, que estava reflexivo e com fome olhando para a tigela de sopa, triste e introspectivo com a perda da garota no caixão e paralisado e com desejos pela beleza da mulher.
Em outro experimento, Kuleshov utilizou três sequências, desta vez totalmente distintas umas das outras. Primeiro, filmou a face de uma pessoa sorrindo, um close de um revólver sendo apontado para a câmera e após, a face da mesma pessoa totalmente apavorada, criando um processo de sequências. Na segunda etapa, as cenas dos closes das faces foram invertidas, ou seja, a nova sequência foi montada com o homem assustado no primeiro quadro, depois o close do revólver, e por fim o close do homem sorrindo
Desta forma pode-se notar que a troca dos quadros cria “auras” diferenciadas para o personagem. Na sequência um, nota-se o personagem “se acovardando” com a presença da arma, enquanto na sequência dois, apenas com a inversão das imagens de começo e fim, nota-se o personagem “mais valente” após apontar a arma para uma suposta pessoa que, apesar de não aparecer na cena, cria uma presença dentro da sequência por parecer que existe uma forma de interação ali.
Podemos concluir então que não só os quadros criam uma nova forma de comunicação, como também podem criar o que chamamos de inversão de intencionalidade. A simples troca de quadros na sequência do revólver pode sugerir medo ou coragem, bem como inverter a noção do lado em que o revólver é apontado, e que, dependendo da situação, sai da mão da suposta segunda pessoa e vai para a mão do personagem que está sendo exibido na tela, alterando completamente o contexto da narrativa por conta de uma simples mudança de imagens